TOIN' ARTILHEIRO, OS LIVROS, A GULBENKIAN E A MISÉRIA QUE É O PORTUGUÊS DE HOJE
ZÉ D'ALBUFEIRA ![]()
Os Cinco da Enid Blyton povoaram o imaginário da minha meninice.
Recordo com saudade a Biblioteca Itinerante nº 23 da Fundação Calouste Gulbenkian, que visitava Albufeira uma vez por mês e estacionava invariavelmente junto à Praça da Verdura, na Meia-Laranja.
Era lá que eu e muitos outros, jovens, adolescentes e adultos, requisitávamos os livros que haveríamos de ler durante cerca de trinta dias. De acordo com a faixa etária de cada um, evidentemente. Tudo controlado pelo sr. doutor, cujo nome me não vem à memória, homem gordo, culto e autoritário, que havia sido carcereiro em Albufeira apesar da sua formatura. Num máximo de cinco exemplares por leitor.
Só o Toin'Artilheiro, figura popular de então, que tinha como ocupação, juntamente com o Zé Bila, fazer assinaturas no Notário a troco de vinte e cinco tostões, tinha autorização para requisitar mais livros. Lembro-me que essa figura simpática de homem humilde e solitário, mas portador de enorme cultura livresca, usava uma grande alcofa de empreita para transportar os livros, tal era a quantidade, da biblioteca para casa e vice-versa. E durante a semana, era vê-lo sentado num banco de pau à entrada do Cartório a ler, em absorção total, obras de bons autores, à espera que alguém lhe pagasse para comprovar perante o Notário identidades que verdadeiramente ignorava.
Devo a Enid Blyton o interesse que cedo manifestei por obras literárias. Mais tarde, com Eça, Camilo, Pessoa, João de Deus e tantos outros, em boa hora transformado em profundo amor pela Língua Portuguesa. Sobretudo, pela sua boa prática. Mesmo assim, sujeito-me, por vezes, a oportunos e pertinentes reparos do Tó Manel Machadinho (ele não leva a mal que o não trate por Professor...)
E os jovens de hoje o que é que têm? Harry Potter's, telenovelas brasileiras, pindéricos romances cor-de-rosa, falsos valores. Que, sem precisar de ir todos os meses à carrinha da Gulbenkian, lhes entram constantemente em casa pelos mais diversos canais que as novas tecnologias e uma decadente sociedade de consumo lhes facultam. E, no caso dos albufeirenses, uma biblioteca que está fechada nos dias e horas em que as pessoas, particularmente os estudantes, mais disponibilidade terão para frequentá-la.
Por isso - e pela sucessiva degradação do ensino oficial - se fala e escreve tão mal Português!
Uma miséria.
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