A concluir a série de intervenções que fiz, nos últimos dias, acerca do Presépio e da celebração do Natal (*), a seguir transcrevo, com a devida vénia, do Jornal de Notícias on-line de hoje, um texto não assinado, que reputo de grande (e gritante) actualidade. ZÉ D'ALBUFEIRA QUEM TEM MEDO DO PRESÉPIO?
Eu que não sou cristão, nem muçulmano, nem judeu, nem hindu (não sou qualquer dessas coisas, nem talvez sequer, no sentido comum e indiferente do termo, agnóstico, e tão-só melancolicamente céptico), gostaria de ser capaz de escrever hoje uma crónica sob a forma de presépio. Seria uma crónica vulnerável e ingénua, feita de palavras elementares como figurinhas de barro ("mãe", "animais", "frio", "calor", "infância"), reunidas em torno de um Deus-Menino, ou de um Menino-Deus, lugar de passagem entre mundos e epifania feliz e deslumbrada do sagrado no natural e do natural no sagrado. Teriam vindo desta vez de muito longe, as minhas palavras, dos sítios fundos onde nascem a música e a poesia. E chegariam num ruidoso e psicadélico submarino amarelo, depois de atravessarem os Seis Mares, para salvar o Natal dos vorazes "Blue Meanies" do comércio e da correcção "multicultural", e restituir a Pepperland as cores primárias da identidade. Porque montar um presépio, mesmo só de palavras, é hoje, em tempos de medo, um gesto de memória e de pertença, senão de rebelião. Hoje temos medo da memória, isto é, temos medo do que somos. E, em nome da segurança, estamos dispostos a abdicar. Eu só tenho palavras; que ao menos elas, as palavras, não abdiquem. (*) Para revisitar os posts que publiquei sobre a matéria clique no link Dezembro 2006 na barra esquerda |