AS AMENDOEIRAS EM FLOR
ZÉ D'ALBUFEIRA
d.r.
Janeiro a entrar pelo mês do Entrudo, eis que se manifestam, mejestosas e seguras, incontornáveis na sua beleza natural, as últimas resistentes da luta, sempre desigual e sempre repetida, contra o crescimento urbano. As amendoeiras em flor.
À beira da plena floração, adornam com ternura os campos sequiosos do Algarve. Incomparáveis. Fascinantes até à medula. Alvura ímpar e inesquecível, a suscitar a memória das grandes lonjuras da neve branca e fria que o rei nórdico quiz um dia fazer reflectir no Algarve, para alegria e libertação da sua princesa encantada.
O espectáculo único, deslumbrante, encantador das amendoeiras em flor tolda-nos completamente os sentidos. Não tem, nos limites do imaginável, qualquer motivo de comparação a brancura rosada da neve algarvia.
Quase todos os poetas deste rincão sulino cantaram, cada um à sua maneira, as belezas infindáveis da floração das amendoeiras. Mas, para mim, o poema mais belo, mais encantador e mais condizente com o sentido profundo do povo genuíno do Algarve é aquele que um dia rimou a nossa conterrânea, a poetisa Marquinhas Elói ("Madressilva") - Maria da Conceição Elói de seu nome de baptismo.
Não me canso, por isso, de repetir - já é a terceira ou quarta vez que o faço neste blog, sempre com profundo amor pela minha terra e por aqueles que a souberam cantar superiormente - os versos dessa discreta mulher algarvia que aguarda, no recato dos ricos de espírito que aqui peregrinaram como simples, humildes, mortais, que à sua mensagem poética seja reconhecido pelos viventes o valor que ela realmente encerra.
*fotos ALBUFEIRAsempre
![]()
AMENDOEIRAS FLORINDO
AO LUAR
![]()
Maria da Conceição Elói 'Madressilva'
[n. Paderne em 31/08/1898 f. Faro em 7/12/1979]
.
Ao de leve
De mansinho
Cai a neve
No caminho…
E o luar desce do céu
Como um véu
De uma noiva encantadora,
Que a cismar
O estendesse a voar
Aos pés de Nossa Senhora.
E por toda a Natureza,
Como um murmúrio de reza
Fica nossa alma a sonhar,
Absorta horas inteiras
Na branca luz do luar,
Na flor das amendoeiras.
Umas de cândida alvura
- Que nem a neve mais pura –
E a cor das outras rosada,
Aquela mimosa cor
Com que o celeste Pintor
Tinge o céu de madrugada.
Charnecas são um encanto,
As planícies outro tanto
E assim,
Em cada canto e recanto,
O Algarve é um jardim!
E a lua sobe a sonhar,
Envolta em véu de tristeza,
Que a sua voz – o luar
Tem mistérios de beleza…
Anda um perfume ao de leve,
Vago e breve,
A evolar-se no ar…
No céu azul, luz e cor,
Há pétalas no caminho,
E o vento ensaia baixinho
Uma alegria de amor.
Vem o orvalho chorar
Pelos vales e montanhas
Diamantes a brilhar,
Em que depois o luar
Põe fulgurações estranhas
Oh! meu Algarve! Canteiro
Que no Inverno é mais lindo,
Com seu luar de Janeiro
E amendoeiras florindo!