Coádras de António Aleixo
Após interregno forçado, retomamos este sábado a publicação de quadras da autoria de António Aleixo, em cumprimento do propósito manifestado na nossa edição de 6 de janeiro p.p.
Foste mordido como eles,
Sofreste, e sem que o recordes,
Agora mordes naqueles
Que sofrem quando lhes mordes.
Sei que pareço um ladrão...
Mas há muitos que eu conheço
Que, sem parecer o que são,
São aquilo que eu pareço.
Esta gente tão sincera,
Cheia de graça e encanto,
De um santo faz uma fera
E faz de uma fera um santo.
Tu és feliz, vives na alta,
E eu de rastos como a cobra.
Porquê? Porque tens de sobra
O pão que a tantos faz falta.
Direi mal, daqui não saio,
Apenas canto o que é meu,
Não sou como o papagaio
Que só diz o que aprendeu.
Quantas sedas que aí vão,
Quantos brancos colarinhos,
São pedacinhos de pão
Roubados aos pobrezinhos!
Queremos ver sempre à distância
O que não está descoberto,
Sem ligarmos importância
Ao que está à vista e perto.
És um rapaz instruído,
És um doutor; em resumo:
És um limão, que espremido,
Não dá caroços nem sumo.
Crês que ser pobre é não ter
Pão alvo ou carne na mesa?
Mas é pior não saber
Suportar essa pobreza!